A
Porteira
"toda
a história deve ser preservada, não para ficarmos ligados ao
passado, mas como referência da
construção de
nosso futuro"
Deparo-me com uma porteira de ferro, escuro e com
alguns desenhos sem grande significado. Um portão, diriam alguns, mas aquele
era diferente.
Grande, como todo portão que nos move à curiosidade de
saber o que há por trás dele.
Para mim, uma porteira, de duas folhas, que cada uma
delas seguravam um muro. mas, Suas
portas se entreabriam e me mostravam
imagens em meio a uma neblina.
Era mais do que um convite.
Entrei!
O céu estava azul, o calor daquele verão estava forte.
Escutava alguns pipocar de fogos - alguém falou que eram romeiros retardatários
que ainda comemoravam a festa da Nossa Senhora do Rocio.
Estava em Paranaguá.
De onde encontrava-me, via através da janela, um senhor
que fumava um cigarro após outro. Ao mesmo tempo olhava incessantemente para o
seu relógio.
Era o Doutor Roberto Barrozo, tradicional advogado de
Paranaguá e que naquele momento atendia seu último cliente.
Mal o consultante transpassou o portão, um corre-corre
se fez sentir naquela casa: uma menina acabava de nascer.
Nasceu Nize Barrozo, naquele dia 14 de janeiro de 1924.
Uma bela tarde de verão!
Nize, a filha, era o segundo rebento do casal Roberto
Barrozo e Nelly Lobo Regnier Barrozo, tradicional família parnaguarense.
A casa, em que residiam, ficava na praça proxima a
Igreja Nossa Senhora do Rocio e dividia com outras casas de estilo colonial, as
árvores frutíferas e de sombra, os muros e os pássaros.
Na frente do casarão, a porteira de ferro escuro,
aquela mesma que havia me transportado para o passado e me transformado numa
sentinela de uma história viva e cheia de amor.
Sem entender, fitava aquele portão entreaberto, mostrando
nuvens difusas aonde se desenrolavam uma porção de imagens, como num filme.
Nize, criança, desfrutava da liberdade e disputava com
os pássaros os espaços dos muros e das árvores. Ao mesmo tempo corria com
seus irmãos: Roberto e Ronel, este, um ano
mais novo que ela.
O correr da menina era o caos para o ilustre
jurisconsulto!
Num dado momento, a porteira rangeu, o silêncio se fez
presente e as cores sumiram. Daquele portão ecoou a notícia da morte da mãe da
menina, que agora tinha dez anos.
Este fato triste, incompreensível, irá marcar a
trajetória da vida da Nize.
As nuvens se apressam, a porteira se fecha e a cidade
de Paranaguá, vai ficando ao longe. O Doutor Barrozo havia decidido mudar-se
para Curitiba.
Uma nova casa, novos ares e aventuras. O sobrado de
esquina, marcava as épocas dos barões do mate e da madeira, que haviam
escolhido os arredores pouco acima do conhecido Passeio Público. Era a rua
Duque de Caxias.
A nova moradia era suntuosa para os tempos de política
do Dr. Barrozo.
E pelo pequeno portão do casario, passavam as primeiras
amizades e os primeiros olhares furtivos de um coração que se preparava para os
romances da juventude.
Nize passava por transformações, ora era menina-moça,
ora era moça-menina.
Cida, sua amiga inseparável, a acompanhava junto com
outras tantas moças, vestidas com o tradicional uniforme escuro da Escola
Normal.
A família Barrozo era composta pelo Doutor Barrozo, sua
segunda esposa, Diva e os filhos Roberto, Nize, Ronel, Nory, Ruy e Nely. Nely
filha do segundo casamento, que havia ocorrido ainda em Paranaguá.
A casa da Duque de Caxias, reservaria um acontecimento
trágico, a morte de Aires Alberto, o caçula da família.
O tempo de tantas novidades, de senhorinha à moça,
trazia no seu bojo os sonhos, as poesias, os risos, os valsetes e namoricos.
Nize, a cada momento da sua vida, gravava-os em seus
escritos no seu caderno de memórias ou em delicados sonetos.
A transformação de Nize já a separava dos tempos de
Paranaguá.
A Serra do Mar riscada pela graciosidade dos caminhos
da Estrada da Graciosa e pelo traçado arrojado da estrada de ferro simbolizava
esse distanciamento.
E a senhorita Nize, desposa a mercê da Providência e do
Destino, o senhor Edgard Prugner.
Um jovem maduro, reservado na sua forma de ser, porém
portador das melhores referências de parentes e conhecidos mais próximos da
família Barrozo.
Era um moço da cidade grande de São Paulo.
O casório de pompas da época, cercado de amigos e
familiares, marcava, mais uma vez, uma profunda mudança. São Paulo era muito
mais distante....
A noite fria tradicional do inverno curitibano, a
insegurança de um futuro novo, totalmente desconhecido e o deixar da família e
amigos, fazem-na acompanhar com pequenas lágrimas, os primeiros movimentos do trem, em direção a
uma cidade estranha e à uma nova vida.
O apito do trem ecoa como um grito. A porteira de ferro
fecha-se. A infância transforma-se no passado, acolhida carinhosamente pela
senhora Nize Barrozo Prugner.
O trem avança célere, mas sem pressa de chegar. Da
chaminé a fumaça branca joga imagens para o ar: era casa de dona Lina, a
primeira da nova cidade aonde foi morar.
De vezes visita a Gegê, sua prima e comadre de todas as
horas. Alguns encontros com novos parentes. Morar numa pensão era uma aventura
sem igual. São Paulo realmente era uma cidade diferente.
No seu Diário, assim ficou escrito: " sinto alguma
coisa dentro de mim".
Nize estava grávida. O ano de 1945 terminava.
A década de 50, começa alvissareira. Nize, Edgard e os
dois filhos, Eduardo e Tereza Cristina, estão em casa nova.
O tempo continua na sua corrida. Santo Amaro, aquele
bairro distante, que acolhia bucolicamente, aquela casa, cresce com ares de
cidade moderna.
As amizades surgem: Leonídia disputa com algumas
vizinhas a amiga Nize.
Chega a Eliana. Agora são três filhos.
Pintura, tênis e poesia.
Os escritos acompanham-na à tantas cidades. Saudades,
mudanças e o tempo que passa....
Oitenta anos!
Brinda o mar de Santos, na beleza do entardecer,
colorindo a água de dourado e fazendo com que o céu se perca no horizonte.
Este cenário invade a janela do apartamento da Nize,
que toca o piano para que as notas musicais acolham os navios chegantes ao
porto.
Antes criança do porto. Agora senhora do porto.
Antes Paranaguá, agora Santos.
São nas letras deste livro que estão gravadas a
esperança, o sonho e a vida.
“A porteira
permance aberta, pois com certeza,
há muitas história de vida ainda para contar”.
Eduardo Barrozo Prugner, em 15 de dezembro de 2003.
Sem palavras...cada vez que leio acho mais bonito....
ResponderExcluirMuito lindo mesmo!!!!!!....Mamy era um ser iluminado!!!
ExcluirEduardo, fiquei emocionada com esse texto homenagem a sua mãe. Me vi como estivesse assistindo ou lendo uma novela de época. Só conheci o "Tio Edgard" era assim que o tratavamos.Sujeito tranquilo , sorriso tímido e sempre companheiro para a omama Lina, que a conheci bem.
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