Arrastando-se
sobre um galho de árvore, a lagarta sentia aquele calor, mesmo escondendo-se entre as folhas verdes de uma árvores na primavera.
Aquele animal, na verdade um inseto estranho, corpo coberto de pelos eriçados, duas antenas curtas e pontiagudas, cercavam os pequenos olhos saltados, que mal serviam para alguma coisa, porque só percebiam a luz.
Se não bastasse o seu aspecto repugnante, uma boca esfomeada, devoram incessantemente as folhas largas e verdes das árvores e plantas, deixando as marcas da sua voracidade.
O seu caminhar esquisito, feito por seis pares de patas articuladas, arrastando parte do corpo num vai e vem, avançando um trecho à frente e novamente contraindo, movimentando de forma desengonçada para alcançar alguns centímetros. É como se estivéssemos vendo uma mola engripada.
Mesmo asquerosa, as lagartas tem um colorido especial. Essa tem listras amarelas e pretas sobre um corpo branco, sobressaindo pelos pretos como uma miríade de pequenas lanças ameaçadoras. Mas também existem outras, com cores diferentes, com manchas multicores sobre um corpúsculo cilíndrico.
Que nome vamos dar a essa nossa personagem? Eu por mim não daria nome nenhum e sairia correndo, porque aquele bicho, apesar de pequeno é assustador! Comentou uma jovem, que durante uma aula de biologia, veio olhar com muita curiosidade aquele inseto excêntrico. Mas, mostrando medo, manteve uma certa distância daquele galho.
Seu José, jardineiro de tantos anos, recomendava aos alunos que estavam naquele jardim:- "não se aproximem e muito menos coloquem as mãos numa lagarta, é muito perigoso e pode causar sérias queimaduras".
A dona lagarta, já que ninguém havia dado um nome, não parava de comer. Abria aquela enorme bocarra, desproporcional ao corpo, e zás... mais uma folha mordida! Não havia folha que não tivesse uma marca daquela esfomeada!
Mas, num determinado momento ela parou de comer, como se o mundo todo tivesse parado........Torceu sua cabeça para cima, como estivesse olhando o céu e percebeu o voo de uma bela borboleta com asas alaranjadas.
Torceu a cabeça para outro lado, e os seus seis pequenos olhos buscavam a algazarra das crianças brincando no gramado. Sabia-se que as lagartas não enxergavam, mas acredito que essa, além de enxergar, bem, escutava aquelas meninas e meninos correndo pelos jardins, no meio das flores, seguindo outras borboletas.
Um
sentimento diferente passou pela cabeça daquela lagarta. Imaginou flores
coloridas e as brincadeiras infantis...
Pasmada
entregou-se àquela cena que imaginara e pensou – (será que lagarta pensa?):
“Como gostaria de ser uma borboleta, voando entre as flores, brincando com as
crianças, num corre-corre, subindo e descendo, sentindo que elas não fugiriam
mais apavoradas”.
O inseto da ordem dos Lepidópteros ficou perdido em seus pensamentos e continuou comendo!
Os
dias foram passando...
Um
dia, acordou e já não queria comer nenhuma folhinha. Não tinha vontade de andar. Estava sentindo alguma coisa, mas não sabia
bem o que, uma esquisitice só. Sua pele estava mudando e sentiu que queria ficar só,
no silêncio, com vontade de fazer um casulo em sua volta: - era a pupa.
Sonolenta
e como uma ágil bordadeira, passou a tecer o seu próprio casulo. Ela não sabia,
mas estava se transformando. A pupa dormia...
Acontecia
o que os cientistas chamam de metamorfose. A pupa estava virando crisálida.
Passaram-se
dias e semanas! Um tempo sem tempo...
Enfim
acordou e intrigante devido a escuridão e o local apertado que se encontrava,
percebeu que seu corpo havia mudado. Na realidade, já não sabia o que era.
Sentia pernas, mas mal conseguia mexê-las,
tinha antenas mais compridas, seus olhos diferentes e:
-
Meu Deus, minha boca virou um canudinho! Ai, que fome! Assim que o animalzinho
se manifestou ao sentir que já não tinha uma enorme bocarra.
“Tenho
que sair daqui”, pensou, depois de perceber-se enrolada em alguma coisa que
pareciam delicadas escamas.
Uma
força interna se manifestou e intuitivamente tentou romper as paredes de onde
se encontrava. Fez uma pequena abertura e um facho de luz adentrou naquele
minúsculo ambiente. Aí teve a consciência de que tudo havia mudado.
Como se ainda quisesse compreender aquelas mudanças e ter a certeza de que estava sob controle de tudo, olhou pela fresta e teve o sentimento do belo ao observar o gramado verde abaixo e o contorno dos jardins que lhe eram comum.
Sorriu
se é que com aquela boca poderia sorrir, mesmo atinando que estava pendurada no
galho de sua árvore, onde comera tantas folhas.
Novamente
a fome apertou e sentia-se enfraquecida: “Puxa, que fome!”
Tinha
que se libertar; a liberdade era a sua vida!
Respirou
fundo, tomou de todas as suas forças e com movimentos cadenciados e fortes foi
rompendo o invólucro que a envolvia. Conseguiu colocar sua cabeça para fora:
-
Ah, as flores! Flores? Naquele momento deu uma vontade imensa de voar, de estar
junto com as flores, no meio delas e tinha certeza que ali estava o seu alimento.
Redobrou
suas forças e num esforço descomunal conseguiu sair. É bem verdade que um líquido
viçoso que envolvia seu corpo, auxiliou-a a ficar livre do casulo.
Rompeu
e esqueceu o passado!
Olhou-se
e descobriu que finíssimas membranas escondiam-se no seu tórax. Contraiu seu corpo e um fluxo de sangue
percorreu todo o seu organismo e um belo par de asas se abriu num lindo
colorido que refletia os raios do sol e deixava passar as tênues cores do
arco-íris.
Empinou-se,
mantendo suas asas abertas sob o sol, corpo esguio, sentiu-se graciosa e como
bailarina, ensaiou alguns passos e atirou-se ao ar.
Bailava
ao sabor do vento, apreciava o céu e tinha consigo a liberdade, a imensidão de
um mundo que desejava conhecer.
Não
havia limites, mas recobrou a consciência do cansaço e da fome que as emoções a desviaram, e deixou-se flutuar em uma flor. Suas asas tocaram as delicadas
pétalas de cetim róseo, relaxou e sentiu o divino aroma do néctar – sugou-o de
maneira meiga e com sutileza.
A
felicidade invadiu todo o seu ser e descobriu, enfim, que agora era uma linda
borboleta colorida.
Assim,
nessa alegria de vida foi de flor em flor, levando em suas patinhas o pólen
para gerar mais flores.
Sentia-se
uma menina moça. Passava a todo instante por uma pequenina lagoa, para se ver
refletida a sua bela imagem.
Uma
borboleta! Pensava. Uma borboleta com asas coloridas, como os arco-íris do céu,
com pequenos desenhos entre contornos de filetes dourados.
Senhora
de si, brincava com as crianças, fazendo cirandas, brincando de esconde –
esconde.
Tinha
a felicidade estampada no seu pequeno rosto, que se faziam brilhar em seus
olhinhos. Apaixonou-se e pode assim se preparar para dar um novo ciclo de vida:
botando ovos, que se transformariam em larvas, em pupa e depois em borboleta...
x