Rebeca, o último suspiro de uma juventude
Tinha 11 anos quando nos mudamos para um bairro novo e
distante do centro da cidade. Algumas ruas ainda apresentavam o alçamento de
pedra, outras de terra e a avenida principal, de acesso ao bairro estava sendo
asfaltada. Poucas casas, mas podia-se perceber a construção de novas
residências, principalmente os sobrados geminados, muito comum naquela época.
Morávamos em uma casa, próximo a fábrica onde meu pai trabalhava.
Tão logo os sobrados ficaram prontos, famílias foram
ali morar. Assim conheci Zito, Zézito como era chamado, o meu primeiro amigo do
bairro. Logo em seguida, o Manoel, o Manoelito, que apelidamos de Lito. O meu
era Bolinha. Todos com a mesma idade. Éramos os “3 Mosqueteiros”.
Quando estava próximo dos meus 12 anos, no último
sobrado, mudou uma menina, bem verdade, aparentava ter a nossa idade. Não
imaginaríamos, mas ela iria mudar totalmente nossas vidas.
Estávamos conversando na frente da casa do Zito,
quando Rebeca surgiu e aproximou-se de nós, com um sorriso tão encantador, que
acredito que nossas faces ruborizaram, e isso aumentou seu sorriso. Ela foi
logo se apresentando, dizendo seu nome, mostrando-nos onde morava e que vivia
com sua avó. Nos apresentamos também...
Foi assim que iniciamos uma amizade, de um grupo
inesquecível. Começamos a estudar juntos, pois logo teríamos o “temível” exame
de admissão para o 1 ano do ginásio no colégio Estadual também não muito longe
onde morávamos. Passamos, uma vitória!
Tão logo começaram as aulas, fomos separados em salas
diferentes: Rebeca ficou na sala das meninas e nos três na dos meninos. Como
era naquele tempo a divisão das salas. Mas não importa, íamos juntos ao
colégio, voltávamos juntos, estudávamos, brincávamos com as mais divertida das
brincadeiras, pois sempre estávamos inventando. Tomávamos banho e só depois
íamos para nossas casas para jantar. O nosso “quartel general” era na casa da
Rebeca.
Por vezes, a avó de Rebeca preparava um bolo de fubá,
com um copo de chocolate (Nescau) para cada um. Quando chegávamos em casa nem
tínhamos vontade de lanchar (era o nosso jantar).
Rebeca cada dia ficava mais linda. Seus cabelos
dourados, ondulados e cumpridos até os ombros emolduravam uma face levemente
rosada, onde dois olhos amendoados faziam surgir íris azuis que nos levavam ao
céu no azul celeste. Rebeca estava se transformando numa menina-moça e nós não
nos atrevíamos de namorá-la, mas erámos apaixonados por ela e era a nossa
namorada.
E aí daquele “marmanjo” que tentasse se aproximar
dela, nem se arriscavam. Éramos também o seu guardião e ela gostava disso.
Um dia, solenemente, convidou-nos a ir ao seu quarto.
Mandou nos sentarmos no chão e em círculo, Rebeca tirou da gaveta do seu
“criado mudo”, um quadro. Seus olhos marejaram, sua boca tremia e assim como
suas mãos, foi mostrando a cada um de nós e caiu em choro quase desesperador.
Entendemos o momento, choramos e nos abraçamos.
O tempo foi passando!
Quando Rebeca fez quinze anos, não houve uma grande
festa. A sua avó preparou um bolo especial, nossos pais foram convidados e
vestimos as nossas melhores roupas.
Cantamos parabéns e fizemos uma surpresa para ela,
além das flores que havíamos dado. Colocamos um “disco” de valsas e cada um de
nós dançamos a valsa dos 15 anos. Na realidade flutuamos no espaço. Eu queria
parar aquele momento.
Dois meses depois percebemos que o rosado do rosto
sumia, seus olhos por vezes perdiam o brilho e nem sempre estava disposta a
estar conosco. Chorava constantemente e seu sorriso foi se pagando. Faltava as
aulas.
Perguntávamos a sua avó, que simplesmente nos respondia
que era coisa de moça e entrava em casa chorando.
Estávamos preocupados... Até que numa tarde uma
ambulância parou em frente a casa da Rebeca e foi hospitalizada.
Nem sempre éramos autorizados a visitá-la, mas
fazíamos plantão em frente ao hospital.
Passado quinze dias a sua avó chamou-nos e corremos
para vê-la. Usava um turbante sobre a cabeça e podíamos perceber que estava sem
os seus lindos cachos dourados. Seus olhos profundos cercado por olheiras,
rosto cavado. Sorrio quando nos viu.
Aproximamos com lágrimas nos olhos. Nossa namorada
estava muito doente. Sua mão magra afagou a cada um de nós, sorriu novamente e
pediu que nos aproximássemos mais e falou baixinho: - “Se pudesse casaria com
cada um de vocês!” Dei-nos um beijo e se deitou. Dormiu para sempre!
Com ela foi o nosso amor e a nossa juventude. Pois
nunca teve uma juventude igual àquela!
Eprugner.