A viagem parecia mais longa do que
deveria. A ansiedade aumentava, os batimentos cardíacos dispararam. O aeroporto
do destino ainda estava longe de se aproximar, faltava algumas horas para
aterrissar. Cada minuto, naquele momento, era uma eternidade.
Sentia medo!
Wolff, que poderia ser José, ou um nome qualquer, era um brasileiro que foi convocado para o Haiti. A princípio achou
que seria uma missão difícil, mas jamais imaginaria que a morte do espírito
seria maior que a morte corporal.
Sim, era assim que sentia...
No início a saudade da casa, dos filhos,
da esposa. Que aumentava e corroía seu coração! Já não bastava escrever no
WhatsApp declarações de amor, ver fotos, e dizer de sua paixão. Os filhos
cresciam, já não mais crianças, buscavam seus novos rumos. Eram ótimos meninos!
Sua esposa, uma jovem senhora, linda,
dedicada às suas atividades. Era lutadora e ia de encontro dos seus ideais. Ele havia conhecido, fizeram amizade e como num conto de novela, casaram. Foram tempos de construção e amor, momentos mágicos, momentos difíceis,
sorrisos e sonhos.
Já não sabe como estão os seus sentimentos,
e a dúvida lhe traz mais angústia, desespero e medo.
Wolff foi fechando os olhos, um calafrio
percorreu o seu corpo e imagens foram martelando sua cabeça.
A guerra de Haiti invadia seus pensamentos,
trocando as cenas do lar, pelas cenas de destruição, de sangue e como numa
guerra, o barulho ensurdecedor de metralhadoras e de balas perdidas zumbindo por
sua cabeça. Crianças mortas, esfomeadas, comendo ratos e gafanhotos no meio de esgotos céu aberto.
Haiti, após o terremoto virou uma terra de
ninguém e grupos armados do submundo do crime disputavam cada palmo de favelas
fedorentas, verdadeiros guetos sem nenhuma higiene, entre barracas toscas e animais apodrecendo.
Cada dia que amanhecia
era reviver o seu próprio dia. Assaltos e assassinatos faziam parte do cotidiano.
Após o terremoto que arrasou todo o país, a capital
Porto Príncipe ficou totalmente destruída, sem nenhuma expectativa de esperança ou mesmo da reconstrução daquilo que estava destruído. Em vez disso, se vêem os sub-humanos que vivem neste inferno, os sobreviventes de
uma tragédia que cada dia se amplia, onde a morte está presente
na fome e nas doenças. Não há mais vida!
Wolff suava, agitava-se, falava palavras
sem nexo. Sua roupa foi ficando
encharcada. Foi preciso que o médico de bordo lhe aplicasse um relaxante.
Foi adormecendo, mas tinha ainda a consciência de que este
pesadelo, marcado nas suas entranhas, aos poucos ficariam escondidos na sua mente e a certeza de que esses fatos ele não veria de novo.
Precisava chegar em casa, mas ao mesmo
tempo livrar-se dos tormentos e das angústias sobre o seu relacionamento.
Recomposto pelo relaxante, começa a
imaginar sua chegada e logo se dá conta, que estará chegando às vésperas do
Natal. Dá asas aos seus pensamentos e vem a lembrança da reuniões de família com
muitas festas, que aconteciam nessa época do ano. Sabia que iriam se repetir e junto com as alegrias, a curiosidade dos parentes o bombardeariam com centenas de perguntas.
Wolff se arruma, sabendo que caberá de
agora em diante mostrar um novo comportamento, num cenário de paz e confiança, pois se
assim não o fizer, aquele Natal, poderá ser o primeiro e o último Natal em
família.
Os procedimentos de aterrissagem são
iniciados.
...
É chegado o momento,
as portas da aeronave são abertas, próximo a escada do avião, familiares
aguardam ansiosamente aqueles passageiros especiais...