Quem sou eu - Nasci em São Paulo, e adotei Curitiba desde criança, pois adoro esta cidade.

sexta-feira, 3 de junho de 2016

AO MEU PAI

Uma Homenagem ao Dia dos Pais

Anoitecia,
Poderia ser um dia comum, mas trazia
Nos ponteiros das horas a trágica cena,
Marcada pelo tempo, desde nos meus
 10 anos.  
Dali, daquela varanda, como um espião,
Ou talvez uma testemunha,
Olhava entre lagrimas, o que pouco entendia,
Os passos pequenos, cabisbaixos do meu pai.
Com ele, uma pequena mala, surrada,
Meu pai e eu, tendo ao fundo nossa casa em Santo Amaro (SP)
Levava consigo a vida, atravessando a rua,
Os anseios, o passado e sem futuro.
Rompia os elos de uma corrente
Que outrora ligava as mãos daquele homem,
Que tantas vezes sentia afagar os meus cabelos.
Distanciava o criador da criatura!
Histórias eram contadas,
Algumas ao pé do ouvido,
Outras de aventuras ou de fatos,
Que poderiam ou não ter acontecido.
Correram anos, semanas e dias,
Passaram-se pelos conflitos da adolescência,
Das primeiras  experiências de adulto,
E do ser pai também!
Agora, já não mais naquela varanda,
O via com cabelos brancos, a fronte envelhecida,
Os sinais de doença e,
Sobre seus ombros pesava ainda aquela travessia.
Não percebia, a não ser a idade que nele se via.
Assim, na solidão dos seus dias, deixou-nos...
Agora de vez, libertado das correntes que trazia.

Passados mais tempo do que com ele vivi,
No silêncio do meu eu e olhando o espaço,
O encontrei vagando em meu coração.
Palavras me faltaram, solucei e chorei,
O que nunca tinha chorado.
Queria tê-lo ali comigo...
Olhar seus olhos e sentir sua mão me afagando.
Voltei à varanda do passado,
Ali pedi perdão e soluçando gritei:

“Pai como eu te amo e amei!”

quinta-feira, 2 de junho de 2016

Homenagem à minha mãe

Este texto fiz para a abertura do livro de poesias que minha mãe escreveu e que foi publicado quando ela fez 80 anos pela minha irmã Eliana. A capa do livro foi desenhada pela minha irmã Teresa Cristina.





A Porteira


                                                                                  "toda a história deve ser preservada, não para ficarmos ligados ao
passado, mas como referência da
 construção de nosso futuro"



Deparo-me com uma porteira de ferro, escuro e com alguns desenhos sem grande significado. Um portão, diriam alguns, mas aquele era diferente.
Grande, como todo portão que nos move à curiosidade de saber o que há por trás dele.
Para mim, uma porteira, de duas folhas, que cada uma delas seguravam um muro.  mas, Suas portas se entreabriam  e me mostravam imagens em meio a uma neblina.
Era mais do que um convite.
Entrei!
O céu estava azul, o calor daquele verão estava forte. Escutava alguns pipocar de fogos - alguém falou que eram romeiros retardatários que ainda comemoravam a festa da Nossa Senhora do Rocio.
Estava em Paranaguá.
De onde encontrava-me, via através da janela, um senhor que fumava um cigarro após outro. Ao mesmo tempo olhava incessantemente para o seu relógio.
Era o Doutor Roberto Barrozo, tradicional advogado de Paranaguá e que naquele momento atendia seu último cliente.
Mal o consultante transpassou o portão, um corre-corre se fez sentir naquela casa: uma menina acabava de nascer.
Nasceu Nize Barrozo, naquele dia 14 de janeiro de 1924. Uma bela tarde de verão!
Nize, a filha, era o segundo rebento do casal Roberto Barrozo e Nelly Lobo Regnier Barrozo, tradicional família parnaguarense.
A casa, em que residiam, ficava na praça proxima a Igreja Nossa Senhora do Rocio e dividia com outras casas de estilo colonial, as árvores frutíferas e de sombra, os muros e os pássaros. 
Na frente do casarão, a porteira de ferro escuro, aquela mesma que havia me transportado para o passado e me transformado numa sentinela de uma história viva e cheia de amor.

Sem entender, fitava aquele portão entreaberto, mostrando nuvens difusas aonde se desenrolavam uma porção de imagens, como num filme.

Nize, criança, desfrutava da liberdade e disputava com os pássaros os espaços dos muros e das árvores. Ao mesmo tempo corria com seus  irmãos: Roberto e Ronel, este, um ano mais novo que ela.
O correr da menina era o caos para o ilustre jurisconsulto!
Num dado momento, a porteira rangeu, o silêncio se fez presente e as cores sumiram. Daquele portão ecoou a notícia da morte da mãe da menina, que agora tinha dez anos.
Este fato triste, incompreensível, irá marcar a trajetória da vida da Nize.

As nuvens se apressam, a porteira se fecha e a cidade de Paranaguá, vai ficando ao longe. O Doutor Barrozo havia decidido mudar-se para Curitiba.

Uma nova casa, novos ares e aventuras. O sobrado de esquina, marcava as épocas dos barões do mate e da madeira, que haviam escolhido os arredores pouco acima do conhecido Passeio Público. Era a rua Duque de Caxias.
A nova moradia era suntuosa para os tempos de política do Dr. Barrozo.
E pelo pequeno portão do casario, passavam as primeiras amizades e os primeiros olhares furtivos de um coração que se preparava para os romances da juventude.

Nize passava por transformações, ora era menina-moça, ora era moça-menina.

Cida, sua amiga inseparável, a acompanhava junto com outras tantas moças, vestidas com o tradicional uniforme escuro da Escola Normal.

A família Barrozo era composta pelo Doutor Barrozo, sua segunda esposa, Diva e os filhos Roberto, Nize, Ronel, Nory, Ruy e Nely. Nely filha do segundo casamento, que havia ocorrido ainda em Paranaguá.

A casa da Duque de Caxias, reservaria um acontecimento trágico, a morte de Aires Alberto, o caçula da família.

O tempo de tantas novidades, de senhorinha à moça, trazia no seu bojo os sonhos, as poesias, os risos, os valsetes e namoricos.

Nize, a cada momento da sua vida, gravava-os em seus escritos no seu caderno de memórias ou em delicados sonetos.

A transformação de Nize já a separava dos tempos de Paranaguá.
A Serra do Mar riscada pela graciosidade dos caminhos da Estrada da Graciosa e pelo traçado arrojado da estrada de ferro simbolizava esse distanciamento.

E a senhorita Nize, desposa a mercê da Providência e do Destino, o senhor Edgard Prugner.
Um jovem maduro, reservado na sua forma de ser, porém portador das melhores referências de parentes e conhecidos mais próximos da família Barrozo.
Era um moço da cidade grande de São Paulo.

O casório de pompas da época, cercado de amigos e familiares, marcava, mais uma vez, uma profunda mudança. São Paulo era muito mais distante....

A noite fria tradicional do inverno curitibano, a insegurança de um futuro novo, totalmente desconhecido e o deixar da família e amigos, fazem-na acompanhar com pequenas lágrimas,  os primeiros movimentos do trem, em direção a uma cidade estranha e à uma nova vida.

O apito do trem ecoa como um grito. A porteira de ferro fecha-se. A infância transforma-se no passado, acolhida carinhosamente pela senhora Nize Barrozo Prugner.

O trem avança célere, mas sem pressa de chegar. Da chaminé a fumaça branca joga imagens para o ar: era casa de dona Lina, a primeira da nova cidade aonde foi morar.
De vezes visita a Gegê, sua prima e comadre de todas as horas. Alguns encontros com novos parentes. Morar numa pensão era uma aventura sem igual. São Paulo realmente era uma cidade diferente.

No seu Diário, assim ficou escrito: " sinto alguma coisa dentro de mim".
Nize estava grávida. O ano de 1945 terminava.

A década de 50, começa alvissareira. Nize, Edgard e os dois filhos, Eduardo e Tereza Cristina, estão em casa nova. 

O tempo continua na sua corrida. Santo Amaro, aquele bairro distante, que acolhia bucolicamente, aquela casa, cresce com ares de cidade moderna.

As amizades surgem: Leonídia disputa com algumas vizinhas a amiga Nize.

Chega a Eliana. Agora são três filhos.

Pintura, tênis e poesia.

Os escritos acompanham-na à tantas cidades. Saudades, mudanças e o tempo que passa....

Oitenta anos!

Brinda o mar de Santos, na beleza do entardecer, colorindo a água de dourado e fazendo com que o céu se perca no horizonte.
Este cenário invade a janela do apartamento da Nize, que toca o piano para que as notas musicais acolham os navios chegantes ao porto.

Antes criança do porto. Agora senhora do porto.
Antes Paranaguá, agora Santos.

São nas letras deste livro que estão gravadas a esperança, o sonho e a vida.

“A porteira  permance aberta, pois com certeza,
há muitas história de vida ainda para contar”.



Eduardo Barrozo Prugner, em 15 de dezembro de 2003.