O Bueiro
Chove torrencialmente em um bairro qualquer de São Paulo.
Eu, numa casa de construção antiga, em meio a edifícios, sem nada a fazer, escolho a varanda onde posso ser acolhido e me deleitar vendo o aguaceiro, sem que a água da chuva venha a me molhar.
É exatamente neste lugar, que fico observando o intenso movimento de veículos e o frenético som das buzinas, transformando o silêncio num ensurdecedor barulho. Nem mesmo o som da chuva, tantas vezes relaxante e que tanto gosto de ouvir, é silenciado pelo tocar incessante daquelas cornetas sem escrúpulos.
Me acomodo numa confortável cadeira de palha, com almofadas macias. Na realidade, uma poltrona, também antiga, que foi dos meus tios avós e que hoje acompanham a arquitetura da casa.
Meus olhos tornam-se levemente pesados, e num espreguiçar longo e delicioso imagino em cochilar.
Mas qual, percebo ser impossível conciliar o sono com aquele tráfego desordenado e barulhento.
Começo a prestar atenção na água da chuva que cai e se espalha num corre-corre tresloucado como se quisesse fugir dos pneus pretos, sujos e sustentadores dos mais simples aos mais arrojados veículos, agora, em marcha lenta. Mas insistem em ondular as águas e por vezes, numa demonstração de pouca cidadania, espirram um jato de água em algum caminhante desavisado.
Porém, aquela chuva vai se transformando num córrego, que vindo dos céus, continua célere em seu caminho, pouco se importando em transportar, em seu dorso, os resíduos da poluição que teve como autor o próprio homem.
Não demorou muito para que aquele córrego, viesse a se transformar num pequeno riacho, mas, sempre seguindo uma mesma direção, como se buscasse um abrigo. Na verdade, procurando um oceano ou mesmo um rio onde pudesse desaguar na amplitude que só ele, aquele riacho de chuva pudesse imaginar.
Enfim, acha um buraco, um bueiro, entre ferros enferrujados, grades como uma janela de prisão, separando a água dos dejetos poluidores e se prostra naquela abertura apertada, e vai sendo sugado, bem verdade aos poucos, para seguir um caminho desconhecido.
Medito!
Aquela sucessão de imagens me conduz a um mundo novo, desconhecido. Como se estivesse numa cápsula de tempo, gravitando numa escuridão entre estrelas; encontro-me perdido no espaço!
Nos meus pensamentos surgem imagens de crianças, jovens e adultos, segurando em uma de suas mãos, um pequeno aparelho que determina um futuro imediato e que caminham por estradas sem que eu pudesse visualizar o destino.
Dou asas aos meus pensamentos e continuo a meditar...
Dou asas aos meus pensamentos e continuo a meditar...
Não existe mais o tempo, tudo é ligeiro, rápido, porém individual e quando assim não o é, surge alguém ou talvez um androide, que importa...
No entanto, como uma grade de bueiro, separa riquezas do passado, como o hábito de ler, momentos de conversas, de observar a natureza, de até mesmo de esportes, de um mundo eletrônico onde jogos em terceira dimensão aprisiona aquela gente numa interrogação: aonde é que vamos?