Quem sou eu - Nasci em São Paulo, e adotei Curitiba desde criança, pois adoro esta cidade.

sexta-feira, 12 de agosto de 2016

O MEU AVÔ


Era um dia de janeiro, não de qualquer ano, mas de um tempo todo especial. Encaminhei-me para avenida, que antes era uma rua, larga, calma e arborizada. Tinha o cheiro de um bairro gostoso.

Encontrava-me diante de uma casa, com traços de uma arquitetura dos anos 40, onde desenhava uma pequena varanda, sob um arco mesclado de tijolos à vista. No telhado, as telhas já não mais vermelhas, desbotadas pelo tempo, e dali surgia uma janela, no formato de uma capela, que denunciava a presença de um sótão habitável.   

Da calçada, parecia que ela estava numa colina intransponível, não fosse o pequeno portão de ferro, que se abria a uma velha escada de cimento pintada de vermelho.

Era a casa do meu avô!

Fora chamado a seu pedido. Uma ligação telefônica,  havia percorrido uma dezena de interlocutores, para ali me levarem.
Não sabia o porquê daquele chamado. Para mim soava estranho e tinha até um aspecto solene.
Mas a curiosidade e a ansiedade faziam bater mais  forte o meu coração.
Antes de iniciar a subida por aqueles degraus, senti uma sensação de que estava frente a frente com o presente e o passado.

Estava me vendo criança rolando pelo gramado e me atirando às aventuras de pirata, naquele navio, que era a varanda sobre a garagem. Dali via a imensidão dos mares e dos tesouros guardados na minha imaginação.
Sem mesmo hesitar deixei-me mergulhar nas lembranças da infância e fui percorrendo os tempos de férias vividas naquela casa.
Às vezes tornava-se um castelo de reis, rainhas e cavaleiros, vividos com primos e primas que surgiam nas tradicionais reuniões da família.

Era tanta brincadeira que ao findar do dia desmaiava de cansaço, não antes de um refrescante um banho de verão seguido de um lanche de pão - o pão d'água quentinho untado de manteiga colonial, e café com leite. Só em Curitiba existia aquele tipo de pão!

Por outras vezes, aquela moradia virava uma fortaleza  com  canhões construídos com galhos de árvores espreitados à rua.
Embalava-me nas delícias do passado.
Das tardes e noites, eu só conhecia as mais puras e criativas diversões. 

Uma buzinada me trouxe a realidade e empurrou-me ao primeiro degrau.

Queria imaginar o conteúdo da conversa....

Meu avô não era uma pessoa sisuda, pelo contrário, sua feição era tranquila, de homem de bem com a vida.  Seu rosto redondo, com boca pequena se perdia entre suas grandes bochechas. Seus olhos sempre estavam por trás de uns óculos com lentes bem grossas.
Vestia-se sempre com terno claro, no verão o de linho e no inverno de casimira ou de lã. O sapato marrom acompanhava-o nas suas passadas.  
Sua voz era calma e falava pausadamente, poucas vezes o vi perdendo a paciência.  Nem tampouco aos gritos.

Com gesto carinhoso afagava minha cabeça e repetia este gesto com todos os seus netos. Não era de puxar conversa conosco.
Nós olhávamos aquela figura com respeito e admiração!

Inteligente e dado às leituras costumava tecer longos comentários sobre elas. Lia os compêndios jurídicos, pois era advogado. Procurava, também,  os livros de análise sociológica e fazia comparações com a vida de então.

Lembro-me, quando brincava numa pequena sala, ouvia-o falando sobre alguns livros que tinha lido. Numa das vezes, comentava com um de seus filhos, meu tio Ruy,  sobre o sertanejo nordestino. Falou da atrocidade da guerra, da fome, das crianças morrendo e da pobreza daqueles que moravam na região de caatinga. Fiquei muito impressionado com aqueles  detalhes que iriam ficar para sempre na minha lembrança.
Mais tarde descobri que o livro, motivo de seu comentário, era o clássico da literatura brasileira:  “Os Sertões” de Euclides da Cunha. 

Deixo ao lado as palavras e perco-me na saudade do meu avô, e como compromisso, prometo a mim mesmo, que amanhã, continuarei os meus devaneios e a minha homenagem ao meu avô Roberto Barrozo.

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