Era
um dia de janeiro, não de qualquer ano, mas de um tempo todo especial. Encaminhei-me para avenida, que antes era uma rua, larga, calma e arborizada.
Tinha o cheiro de um bairro gostoso.
Encontrava-me
diante de uma casa, com traços de uma arquitetura dos anos 40, onde desenhava uma pequena varanda, sob um arco mesclado de tijolos à vista. No telhado, as telhas já não mais vermelhas, desbotadas pelo tempo, e dali surgia uma janela, no formato de uma capela, que denunciava a presença de um sótão habitável.
Da calçada, parecia que ela estava numa colina
intransponível, não fosse o pequeno portão de ferro, que se abria a uma velha
escada de cimento pintada de vermelho.
Era
a casa do meu avô!
Fora
chamado a seu pedido. Uma ligação telefônica, havia percorrido uma dezena de
interlocutores, para ali me levarem.
Não
sabia o porquê daquele chamado. Para mim soava estranho e tinha até um aspecto
solene.
Mas
a curiosidade e a ansiedade faziam bater mais
forte o meu coração.
Antes
de iniciar a subida por aqueles degraus, senti uma sensação de que estava
frente a frente com o presente e o passado.
Estava
me vendo criança rolando pelo gramado e me atirando às aventuras de pirata,
naquele navio, que era a varanda sobre a garagem. Dali via a imensidão dos
mares e dos tesouros guardados na minha imaginação.
Sem
mesmo hesitar deixei-me mergulhar nas lembranças da infância e fui percorrendo
os tempos de férias vividas naquela casa.
Às
vezes tornava-se um castelo de reis, rainhas e cavaleiros, vividos com primos e
primas que surgiam nas tradicionais reuniões da família.
Era
tanta brincadeira que ao findar do dia desmaiava de cansaço, não antes de um
refrescante um banho de verão seguido de um lanche de pão - o pão d'água quentinho untado de manteiga colonial, e café com leite. Só em Curitiba existia aquele tipo de pão!
Por
outras vezes, aquela moradia virava uma fortaleza com
canhões construídos com galhos de árvores espreitados à rua.
Embalava-me
nas delícias do passado.
Das
tardes e noites, eu só conhecia as mais puras e criativas diversões.
Uma
buzinada me trouxe a realidade e empurrou-me ao primeiro degrau.
Queria
imaginar o conteúdo da conversa....
Meu
avô não era uma pessoa sisuda, pelo contrário, sua feição era tranquila, de
homem de bem com a vida. Seu rosto
redondo, com boca pequena se perdia entre suas grandes bochechas. Seus olhos
sempre estavam por trás de uns óculos com lentes bem grossas.
Vestia-se
sempre com terno claro, no verão o de linho e no inverno de casimira ou de lã.
O sapato marrom acompanhava-o nas suas passadas.
Sua
voz era calma e falava pausadamente, poucas vezes o vi perdendo a
paciência. Nem tampouco aos gritos.
Com
gesto carinhoso afagava minha cabeça e repetia este gesto com todos os seus
netos. Não era de puxar conversa conosco.
Nós
olhávamos aquela figura com respeito e admiração!
Inteligente e dado às
leituras costumava tecer longos comentários sobre elas. Lia os compêndios
jurídicos, pois era advogado. Procurava, também, os livros de análise sociológica e fazia
comparações com a vida de então.
Lembro-me, quando brincava
numa pequena sala, ouvia-o falando sobre alguns livros que tinha lido. Numa das
vezes, comentava com um de seus filhos, meu tio Ruy, sobre o sertanejo
nordestino. Falou da atrocidade da guerra, da fome, das crianças morrendo e da
pobreza daqueles que moravam na região de caatinga. Fiquei muito impressionado
com aqueles detalhes que iriam ficar
para sempre na minha lembrança.
Mais tarde descobri que o
livro, motivo de seu comentário, era o clássico da literatura brasileira: “Os Sertões” de Euclides da Cunha.
Deixo ao lado as palavras e perco-me na saudade do meu avô, e como compromisso, prometo a mim mesmo, que amanhã, continuarei os meus devaneios e a minha homenagem ao meu avô Roberto Barrozo.
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