Naquela manhã, o tempo estava instável, era outono, uma pequena garoa
insistia em molhar a janela.
Fazia algum tem que havia amanhecido, mas o aspecto cinzento deixava o
menino com aquela vontade de querer dormir mais. Ainda mais que naquele dia...
Fernandinho acordou com os olhos dormindo, e fazê-lo sair da cama era um
ato de bravura que sua mãe fazia todos os dias:
- Nandinho, acorda! Fernando, acorda menino! Você vai perder sua aula.
Hoje tem Português e é dia de leitura... bradou sua mãe já quase sem paciência.
Nandinho resmungou, virou para outro lado:
- Eu não sou Nandinho, sou Fernando! Aliás, não sei por que me deram
este apelido tão diminutivo... Pô.
Com certeza o diálogo iria se transformar numa infindável discussão. Sua
mãe, sem perder tempo, puxou o cobertor e o fez levantar ligeirinho, sob pena
de algumas ameaças terríveis – como ficar sem celular.
Nandinho, digo Fernando, não gostava daquela matéria e também não tinha
nenhuma afinidade com leitura de livros. Achava uma chatice! Mas o computador,
ah! Esse sim era uma maravilha, e se seus pais não dessem limites, ficaria ali,
frente a frente com aquela telinha e o tempo, com certeza, não existiria mais.
Nandinho, bem... Vamos continuar assim, afinal por mais crescidinho que
estava ficando, ainda estava com seus belos 14 anos.
Foi à Escola, resmungando como era de costume e em sua face estampava um
mau humor incabível.
Mas, na realidade não se sentia bem, era diferente dos outros dias.
Sentia um dorzinha de garganta, um mal-estar.
É claro que colocou a culpa no “Português” e nem adiantaria falar com
sua mãe, pois acharia que era uma desculpa para não ir à aula.
Entrou na sala de aula. Seus colegas estranharam sua quietude. Postou-se
na última carteira e desceu sua cabeça sobre seus braços e adormeceu.
Nem percebeu a entrada do professor de Literatura.
O professor foi até ele, pronto para lhe dar uma bronca. No entanto ao
notar a respiração do rapaz, o acordou e de imediato colocou sua mão na testa.
Estava muito quente. Mandou-o à enfermaria do Colégio.
Não demorou muito para que seu pai viesse buscá-lo. Preocupado, abraçou
com um braço e levou-o para casa.
Sua mãe deixara o serviço e foi acolhê-lo.
Fernando, com face vermelha, ardia em febre. Tomou os remédios
recomendado pelo médico e voltou à sua cama. Onde, na realidade, ele achava que
não deveria ter saído.
O seu quarto não era muito grande. Uma janela sobre uma escrivaninha
iluminava o ambiente, dividindo-o de um lado a cama e do outro um armário
embutido, com espaço aberto para uma estante. Nessa estante, alguns livros,
quase não lidos e ali permaneciam a espera de um leitor aventureiro.
Já deitado, procurando fugir do mal-estar, Fernandinho ficou olhando o
teto, absorto.
Aos poucos uma nova sensação tomou-o de susto... Estava encolhendo
rapidamente. A cama lhe parecia imensa e o quarto tomava dimensões
enormes.
Escalou o travesseiro e sua voz, mesmo gritando, era tão baixa que não
alcançava a distância que o separava dos pés do armário.
Os livros passaram então a voar pelo quarto e a sobrevoar sua cabeça.
Ele continuava a diminuir. Até que um livro aberto tombou sobre ele.
“Sonhos de uma Noite de Verão” de Willian Shakespeare[1].
Justamente o livro que deveria ter sido lido e era o tema daquela aula de
Literatura.
Nandinho tentou se desvencilhar. Foi sugado por uma das páginas.
A página estava branca, sem nada, nem mesmo uma vírgula.
O garoto com medo, apavorado mesmo, começou a correr por todo aquele
espaço. Tentou mergulhar na lombada, porém quase bateu com a cabeça num pequeno
resto de cola. Correu para cima, para baixo e para a lateral. Eram precipícios
sem fim que o fizeram se afastar das bordas.
Sentou desacorçoado no meio da página, dobrando as pernas e apoiando sua
cabeça sobre os seus joelhos.
Porém, alguma coisa o chamava no canto superior da folha. Levantou-se e
correu pra lá.
Como num passe de mágica, a página virou e ele continuou correndo.
Palavras, frases, escritos, figuras e tantas coisas iam passando pelos seus
olhos, enquanto as páginas iam se sucedendo.
Reduziu os passos... parou em frente a um enorme castelo de pedra, com
portão de ferro e em seguida uma ponte “levadiça” , que o convidava para
adentrar no castelo.
Temeroso entrou. Começou a ver pessoas com roupas estranhas, rostos
fechados e trazendo uma feição de medo.
Percebeu que ele era invisível naquele ambiente.
Mais confiante foi percorrendo todos os lugares daquela construção de
pedra. Era sombria. Um musgo malcheiroso empastelava as paredes. Os homens e
mulheres, malvestidos caminhavam olhando para todos os lados, demonstrando que
estavam realmente assustados.
Fernando, mesmo sabendo que estava invisível, tentou falar com eles. Não
o escutavam!
Pode perceber que se tratavam de prisioneiros. Mas de quem?
Não demorou muito e uma gargalhada amedrontadora ecoou por todos os
lados. Um feiticeiro, numa carruagem negra foi atravessando o pátio daquele
castelo. Os cavalos tinham olhos de fogo e o cocheiro vestia uma túnica preta e
um grande capuz cobria-lhe a cabeça, a qual não se podia ver.
Soldados, que pareciam um exército de zumbis, abriam passagem com foices
entre aquelas pobres pessoas. Algumas tombavam ao chão, decapitadas.
O menino, tomado pelo medo, correu em direção ao portão, que estava se
fechando. Atravessou a ponte e ... se viu diante de uma página branca.
Ainda ofegante, seguiu em direção ao canto superior e, logo deparou com
um campo maravilhoso, onde corcéis com asas, saltitavam e voavam junto com
borboletas coloridas.
Opa! Não eram borboletas, eram fadinhas graciosas que tocavam pequenos
instrumentos musicais. A música encheu seus ouvidos e as fadinhas o convidavam
a segui-las. O garoto não estava mais invisível.
Seguiu-as e a música cada vez mais o envolvia. Sentia-se leve. Andou por
entre a relva e sentiu o perfume de jasmim que combinava com as delicadas
flores, que lhe pareciam acenar com suas pétalas.
Na página seguinte, duendes conversavam com as outras fadas. Tudo era
belo! Era um conto de fadas, que tanto lhe haviam contado, quando criança.
Até mesmo a roupa do rapaz havia mudado: era um príncipe. Uma capa
de cor citrino, bordada com fios de ouro que cobria sua vestimenta de camisa de
seda branca, calças de couro escuro e na cintura um grosso cinto de onde pendia
uma vigorosa espada.
O duende mais velho aproximou-se trazendo um cavalo branco, encilhado
com sela de couro nobre, sobre uma manta onde estava gravado o brasão das
terras das fadas. Ao entregar-lhe o animal, disse que o levaria a todos os
reinos das aventuras que lhe era permitido imaginar.
Tomou o corcel e galopou por entre as folhas e páginas, vendo dragões e
castelos, guerras infindáveis e destemidos guerreiros, arqueiros e cavaleiros
cavalgando entre montanhas, florestas mágicas e campos maravilhosos.
Fernando continuava a cavalgar entusiasmado. Havia visto animais
falantes e histórias fantásticas de bichos e gentes. Andou por cidades, foi ao
passado e se deslumbrou com imagens do futuro.
Bem próximo de um riacho, que banhava os campos de flores silvestres
parou para dar de beber ao seu cavalo, também para descansar de suas
aventuras. Seus olhos brilhavam e em sua cabeça repetiam-se as imagens
que havia visto e vivido.
Mal percebeu que estava próximo a um belo castelo. Aproximou-se dele e
logo soldados o cercaram e com muita delicadeza o levaram a presença da Rei.
Intrigado achou que aqueles soldados tinham o rosto familiar. Eram
parecidos com o Rubinho, Geraldo, Mário, Gabriel, Luiz e Antônio, seus
principais colegas de escola. Os outros eram figuras conhecidas no colégio.
Descobriu, então que estava no Reino dos Sonhos.
Entrou no Salão Principal e o Primeiro Ministro veio saudá-lo.
Ah não! Aí já era demais, pensou Fernandinho. O Primeiro Ministro era o
professor de Literatura.
Frente ao trono, o então príncipe foi olhando tudo com muito cuidado e
não pode deixar de notar os belos trajes da Princesa, que ao lado do Rei, se
postavam a sua frente. A Princesa vestia um lindo vestido de cor azul celeste e
seus cabelos dourados cobriam-lhe os ombros. Uma medalha de ouro caia sobre sua
roupa, presa por uma grossa corrente de ouro.
- Pera aí! Essa medalha é igual a da Helena! Falou o garoto num
rompante.
Helena era uma das meninas mais bonitas de sua classe, sua paixão
secreta.
Fernando enrubesceu. Todos perceberam e um murmúrio se espalhou por
aquele salão.
Helena, digo a Princesa chamou o Fernandinho. Tomou a sua mão e
beijo-lhe a testa.
E, sob olhar de todos saudou-o com Príncipe Nando, e...
Um turbilhão novamente correu o seu corpo.
.......
Fernando! Fernandinho! Acorda você precisa tomar o remédio!
- Remédio? Abrindo os olhos, o garoto olhou à sua volta percebeu que
estava tudo normal e continuava na cama. Estava molhado de suor. Sua mãe, com
um sorriso lhe oferecia uma colher com o remédio, que por certo lhe faria bem.
Sua mãe disse que ele havia se debatido muito, mas já estava sem febre:
- Descanse mais um pouco, esse repouso lhe fará bem. E, retirou-se do
quarto.
Fernandinho, ainda atônito olhou novamente para todo o quarto. Observou
a estante... e olhando para baixo, viu um livro aberto caído no chão. Era o
“Sonhos de uma Noite de Verão”.
Jamais contou essa sua aventura para alguém.
Mas hoje, Fernando, Fernandinho ou até mesmo Nandinho é o melhor aluno
de Literatura.
Na verdade, um grande aventureiro!
Um sonho! Uma aventura! Uma transformação!
ResponderExcluirUm conto....Um livro que abre horizontes!
Muito interessante! Muito bom!
Parabéns pela criatividade!
Já estou aguardando o próximo!
obrigado.
ResponderExcluirGosto muito deste conto!!! E vou ler para meus netos, eles vão sonhar como o menino e vão querer ler mais!!
ResponderExcluirMuito criativo!!
Conto lindo ,leve.Tambem espero ver mais como esse.
ResponderExcluirUm abraço .