Quem sou eu - Nasci em São Paulo, e adotei Curitiba desde criança, pois adoro esta cidade.

quinta-feira, 1 de março de 2018

O Menino e o Livro

Naquela manhã, o tempo estava instável, era outono, uma pequena garoa insistia em molhar a janela.
Fazia algum tem que havia amanhecido, mas o aspecto cinzento deixava o menino com aquela vontade de querer dormir mais. Ainda mais que naquele dia...
Fernandinho acordou com os olhos dormindo, e fazê-lo sair da cama era um ato de bravura que sua mãe fazia todos os dias:
- Nandinho, acorda! Fernando, acorda menino! Você vai perder sua aula. Hoje tem Português e é dia de leitura... bradou sua mãe já quase sem paciência.
Nandinho resmungou, virou para outro lado:
- Eu não sou Nandinho, sou Fernando! Aliás, não sei por que me deram este apelido tão diminutivo... Pô.
Com certeza o diálogo iria se transformar numa infindável discussão. Sua mãe, sem perder tempo, puxou o cobertor e o fez levantar ligeirinho, sob pena de algumas ameaças terríveis – como ficar sem celular.
Nandinho, digo Fernando, não gostava daquela matéria e também não tinha nenhuma afinidade com leitura de livros. Achava uma chatice! Mas o computador, ah! Esse sim era uma maravilha, e se seus pais não dessem limites, ficaria ali, frente a frente com aquela telinha e o tempo, com certeza, não existiria mais.
Nandinho, bem... Vamos continuar assim, afinal por mais crescidinho que estava ficando, ainda estava com seus belos 14 anos.
Foi à Escola, resmungando como era de costume e em sua face estampava um mau humor incabível.
Mas, na realidade não se sentia bem, era diferente dos outros dias. Sentia um dorzinha de garganta, um mal-estar.
É claro que colocou a culpa no “Português” e nem adiantaria falar com sua mãe, pois acharia que era uma desculpa para não ir à aula.
Entrou na sala de aula. Seus colegas estranharam sua quietude. Postou-se na última carteira e desceu sua cabeça sobre seus braços e adormeceu.
Nem percebeu a entrada do professor de Literatura.
O professor foi até ele, pronto para lhe dar uma bronca. No entanto ao notar a respiração do rapaz, o acordou e de imediato colocou sua mão na testa. Estava muito quente. Mandou-o à enfermaria do Colégio.
Não demorou muito para que seu pai viesse buscá-lo. Preocupado, abraçou com um braço e levou-o para casa.
Sua mãe deixara o serviço e foi acolhê-lo.
Fernando, com face vermelha, ardia em febre. Tomou os remédios recomendado pelo médico e voltou à sua cama. Onde, na realidade, ele achava que não deveria ter saído.
O seu quarto não era muito grande. Uma janela sobre uma escrivaninha iluminava o ambiente, dividindo-o de um lado a cama e do outro um armário embutido, com espaço aberto para uma estante. Nessa estante, alguns livros, quase não lidos e ali permaneciam a espera de um leitor aventureiro.
Já deitado, procurando fugir do mal-estar, Fernandinho ficou olhando o teto, absorto.
Aos poucos uma nova sensação tomou-o de susto... Estava encolhendo rapidamente. A cama lhe parecia imensa e o quarto tomava dimensões enormes. 
Escalou o travesseiro e sua voz, mesmo gritando, era tão baixa que não alcançava a distância que o separava dos pés do armário.
Os livros passaram então a voar pelo quarto e a sobrevoar sua cabeça.
Ele continuava a diminuir. Até que um livro aberto tombou sobre ele.
“Sonhos de uma Noite de Verão” de Willian Shakespeare[1]. Justamente o livro que deveria ter sido lido e era o tema daquela aula de Literatura.
Nandinho tentou se desvencilhar. Foi sugado por uma das páginas.
A página estava branca, sem nada, nem mesmo uma vírgula.
O garoto com medo, apavorado mesmo, começou a correr por todo aquele espaço. Tentou mergulhar na lombada, porém quase bateu com a cabeça num pequeno resto de cola. Correu para cima, para baixo e para a lateral. Eram precipícios sem fim que o fizeram se afastar das bordas. 
Sentou desacorçoado no meio da página, dobrando as pernas e apoiando sua cabeça sobre os seus joelhos.
Porém, alguma coisa o chamava no canto superior da folha. Levantou-se e correu pra lá.
Como num passe de mágica, a página virou e ele continuou correndo. Palavras, frases, escritos, figuras e tantas coisas iam passando pelos seus olhos, enquanto as páginas iam se sucedendo.
Reduziu os passos... parou em frente a um enorme castelo de pedra, com portão de ferro e em seguida uma ponte “levadiça” , que o convidava para adentrar no castelo.  
Temeroso entrou. Começou a ver pessoas com roupas estranhas, rostos fechados e trazendo uma feição de medo.
Percebeu que ele era invisível naquele ambiente.
Mais confiante foi percorrendo todos os lugares daquela construção de pedra. Era sombria. Um musgo malcheiroso empastelava as paredes. Os homens e mulheres, malvestidos caminhavam olhando para todos os lados, demonstrando que estavam realmente assustados.
Fernando, mesmo sabendo que estava invisível, tentou falar com eles. Não o escutavam!
Pode perceber que se tratavam de prisioneiros. Mas de quem?
Não demorou muito e uma gargalhada amedrontadora ecoou por todos os lados. Um feiticeiro, numa carruagem negra foi atravessando o pátio daquele castelo. Os cavalos tinham olhos de fogo e o cocheiro vestia uma túnica preta e um grande capuz cobria-lhe a cabeça, a qual não se podia ver. 
Soldados, que pareciam um exército de zumbis, abriam passagem com foices entre aquelas pobres pessoas. Algumas tombavam ao chão, decapitadas.      
O menino, tomado pelo medo, correu em direção ao portão, que estava se fechando. Atravessou a ponte e ... se viu diante de uma página branca.
Ainda ofegante, seguiu em direção ao canto superior e, logo deparou com um campo maravilhoso, onde corcéis com asas, saltitavam e voavam junto com borboletas coloridas.
Opa! Não eram borboletas, eram fadinhas graciosas que tocavam pequenos instrumentos musicais. A música encheu seus ouvidos e as fadinhas o convidavam a segui-las. O garoto não estava mais invisível.
Seguiu-as e a música cada vez mais o envolvia. Sentia-se leve. Andou por entre a relva e sentiu o perfume de jasmim que combinava com as delicadas flores, que lhe pareciam acenar com suas pétalas.
Na página seguinte, duendes conversavam com as outras fadas. Tudo era belo! Era um conto de fadas, que tanto lhe haviam contado, quando criança.
Até mesmo a roupa do rapaz havia mudado: era um príncipe.  Uma capa de cor citrino, bordada com fios de ouro que cobria sua vestimenta de camisa de seda branca, calças de couro escuro e na cintura um grosso cinto de onde pendia uma vigorosa espada.
O duende mais velho aproximou-se trazendo um cavalo branco, encilhado com sela de couro nobre, sobre uma manta onde estava gravado o brasão das terras das fadas. Ao entregar-lhe o animal, disse que o levaria a todos os reinos das aventuras que lhe era permitido imaginar.   
Tomou o corcel e galopou por entre as folhas e páginas, vendo dragões e castelos, guerras infindáveis e destemidos guerreiros, arqueiros e cavaleiros cavalgando entre montanhas, florestas mágicas e campos maravilhosos.
Fernando continuava a cavalgar entusiasmado. Havia visto animais falantes e histórias fantásticas de bichos e gentes. Andou por cidades, foi ao passado e se deslumbrou com imagens do futuro.
Bem próximo de um riacho, que banhava os campos de flores silvestres parou para dar de beber ao seu cavalo, também para descansar de suas aventuras.  Seus olhos brilhavam e em sua cabeça repetiam-se as imagens que havia visto e vivido.
Mal percebeu que estava próximo a um belo castelo. Aproximou-se dele e logo soldados o cercaram e com muita delicadeza o levaram a presença da Rei.
Intrigado achou que aqueles soldados tinham o rosto familiar. Eram parecidos com o Rubinho, Geraldo, Mário, Gabriel, Luiz e Antônio, seus principais colegas de escola. Os outros eram figuras conhecidas no colégio. Descobriu, então que estava no Reino dos Sonhos.
Entrou no Salão Principal e o Primeiro Ministro veio saudá-lo.
Ah não! Aí já era demais, pensou Fernandinho. O Primeiro Ministro era o professor de Literatura.
Frente ao trono, o então príncipe foi olhando tudo com muito cuidado e não pode deixar de notar os belos trajes da Princesa, que ao lado do Rei, se postavam a sua frente. A Princesa vestia um lindo vestido de cor azul celeste e seus cabelos dourados cobriam-lhe os ombros. Uma medalha de ouro caia sobre sua roupa, presa por uma grossa corrente de ouro.
- Pera aí! Essa medalha é igual a da Helena! Falou o garoto num rompante.
Helena era uma das meninas mais bonitas de sua classe, sua paixão secreta.
Fernando enrubesceu. Todos perceberam e um murmúrio se espalhou por aquele salão. 
Helena, digo a Princesa chamou o Fernandinho. Tomou a sua mão e beijo-lhe a testa.
E, sob olhar de todos saudou-o com Príncipe Nando, e...
Um turbilhão novamente correu o seu corpo.
.......
Fernando! Fernandinho! Acorda você precisa tomar o remédio!
- Remédio? Abrindo os olhos, o garoto olhou à sua volta percebeu que estava tudo normal e continuava na cama. Estava molhado de suor. Sua mãe, com um sorriso lhe oferecia uma colher com o remédio, que por certo lhe faria bem.
Sua mãe disse que ele havia se debatido muito, mas já estava sem febre:
- Descanse mais um pouco, esse repouso lhe fará bem. E, retirou-se do quarto.
Fernandinho, ainda atônito olhou novamente para todo o quarto. Observou a estante... e olhando para baixo, viu um livro aberto caído no chão. Era o “Sonhos de uma Noite de Verão”. 
Jamais contou essa sua aventura para alguém.
Mas hoje, Fernando, Fernandinho ou até mesmo Nandinho é o melhor aluno de Literatura.

Na verdade, um grande aventureiro!